O ministro das Comunicações, Hélio Costa, declarou-se favorável a um sistema de proteção. Já a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, divulgou nota defendendo o contrário.
Uma entidade de defesa do consumidor mostrou-se oposta à instalação de um mecanismo de proteção por considerá-lo, incorretamente, violação dos direitos do consumidor. O que está em jogo nessa discussão? Os oposicionistas alegam um motivo nobre: o direito de escolha do consumidor. Cabe, porém, a quem vivencia o setor esclarecer que, na prática, o interesse do cidadão está na proteção do direito autoral. A aplicação de um sistema de proteção pode parecer burocrática, mas possibilita que o telespectador tenha acesso a mais opções de entretenimento de alto valor agregado, o que só é possível em um ambiente digital sano, no qual a proteção ao conteúdo é o principal pilar.
A produção e a distribuição de filmes e programas de TV têm grande potencial de crescimento, com cada vez mais qualidade e variedade. O sistema digital abre um leque de possibilidades para produtores de todos os portes, independentes ou não, e para distribuidores de conteúdo. O pré-requisito para isso é a preservação da propriedade intelectual -único estímulo efetivo à criação e ao investimento em canais de distribuição. Proteger conteúdos não significa cercear a liberdade do telespectador de gravar programas e assisti-los quando desejar. Será possível gravar cópias para uso pessoal -como no tempo dos aparelhos de VHS. O que não deve ser permitido é a comercialização e a redistribuição indiscriminada desses programas na internet.
A proteção é para que a TV digital não tenha seu sentido desvirtuado. Sem bloqueio, gravações podem ser redistribuídas livremente, inclusive em outros mercados, reduzindo valor de comercialização do conteúdo.
A proteção ao conteúdo tem como objetivo impedir que os telespectadores se tornem um “retransmissor” da programação, inviabilizando, por exemplo, a manutenção da audiência das emissoras e a valorização do espaço publicitário. A comercialização da programação em mercados externos também ficaria difícil.
O potencial destrutivo existe também na evasão de conteúdo pela web -mesmo uma cópia feita por um fã e colocada na rede como homenagem.
A difusão anônima, não autorizada e descontrolada concorre de forma desleal com os canais de distribuição: conteúdos obtidos de graça e a qualquer tempo têm valor que tende a zero. Por que investir em sua produção e difusão se o valor de mercado pode desaparecer? No médio prazo, a cópia sem freios e a pirataria podem esvaziar a própria TV digital.
Nesse sentido, a TV aberta digital é altamente vulnerável, pois tem concessão para operar em um determinado território. Já a internet permite distribuição global e irrestrita.
Atentos a esse risco, distribuidores têm dado preferência aos mercados em que há proteção, direcionando os melhores produtos para plataformas codificadas mais seguras -TV a cabo e via satélite-, de acesso fechado.
Assim, consumidores da TV aberta, dependentes dos índices de audiência e de receitas publicitárias, ficariam excluídos das vantagens da difusão digital. Ou seja, os prejudicados seriam aqueles que mais se quer defender: os telespectadores.
Proteger a propriedade intelectual é vital tanto para o governo como para o telespectador. O interesse da indústria audiovisual é oferecer produtos novos ao maior número de pessoas. O da população é ter acesso ao conteúdo de alta qualidade. Quando o negócio se torna economicamente viável, todos ganham. E, para que a TV digital seja economicamente viável, é necessário prevenir sua propagação ilegal.
A decisão sobre o sistema de proteção de conteúdo cabe ao Comitê de Desenvolvimento da TV Digital.
Desde o início das discussões sobre a TV digital brasileira, a Motion Picture Association procurou alertar a opinião pública sobre essa questão.
Agora, o governo federal e o Congresso Nacional, que já demonstraram firmeza no combate à comercialização não autorizada do conteúdo criativo com a CPI da Pirataria e o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual (CNCP), têm mais uma oportunidade para demonstrar essa liderança no setor audiovisual.
Por Steve Solot
Folha de São Paulo, 13 de setembro de 2007